sábado, 13 de outubro de 2012

"O poder dos quietos"

“Levanta a mão quem aqui gostaria de ser negro”. Essa é uma das duas grandes lembranças que tenho da minha introversão refletida na minha adolescência.
“Eu” – disse eu, meio tímida, num volume que somente as pessoas à minha volta poderiam ouvir.
“Os negros são a base da nossa sociedade. Eles são frequentemente escrachados, humilhados e tomados por incompetentes, sendo que muitos deles brilham e, quando conseguem isso, é a custa de um sacrifício muito maior do que qualquer branco pode dar conta. Admiro demais e tenho grande orgulho de vir de uma família de negros” – imaginei eu mesma em pé diante da turma. Imaginei, mas guardei pra mim mesma, não tive coragem.
Como era isso que o professor queria, logo conseguiu concluir erroneamente o seu pensamento: “Viram? Muito se fala em negros, elogiam e tudo mais, mas quando se traz a questão de querer se tornar um, ninguém quer!” Que babaquice! Não lembro mais nada dessa aula, tamanha a besteira que a introduziu. Como pôde ele concluir uma coisa tão absurda, numa amostra tão pequena só porque tinha um monte de adolescentes tímidos a sua frente, com medo de levantar a mão e serem arguidos? Antes de tudo, como pôde até mesmo pensar uma besteira dessa??
Mas essa não é a questão. A questão é que me perguntei repetidas vezes depois: por que eu não levantei a mão, por mais que ficasse vermelha, por mais que gaguejasse, por mais que fosse feita minha inquisição, por que eu não tive coragem?
Depois desse episódio, não sei se no mesmo ano, o colégio deixou uma folha para que déssemos sugestões de o que e como melhorar qualquer coisa que achássemos que deveria. Anotei minhas sugestões depois de ter uma discussão com um fiscal que não deixava a gente ir pro recreio depois da escada, sendo que haviam instalado novos portões do lado de fora e havia um espaço muito bom a ser aproveitado pra se jogar conversa fora (e agora é usado para gazear aula, mas esse não é o ponto). Essa foi minha sugestão: deixar que usássemos aquele espaço para o recreio, juntamente com uma reclamação da instalação de câmeras de segurança pelo colégio inteiro.
Passou um tempo e eis que fomos interrompidos pela presença célebre do nosso diretor. Ele, juntamente com uma outra pessoa, tomaram o lugar do professor para perguntar quem tinha tido a grande ideia de expandir a área do recreio para além da escada. Frustrado por ninguém levantar a mão, ele começou a amenizar o clima, explicando que tinha gostado da ideia e que queria ver se o autor teria mais coisas para sugerir. Lembro que ficou um tempão lá, mas como ninguém se apresentou, ele saiu, vencido.
Passei um bom tempo tentando imaginar o que teria acontecido se eu tivesse me revelado. Seria promovida a assistente de sugestões do diretor? Teria ganhado um monte de dinheiro? Por que ele ficou lá tanto tempo? Com certeza ele sabia que era alguém da minha turma, pior, tinha certeza que era eu, por causa da minha letra. Será que ele estava apenas me testando?
Por mais maluco que seja e por mais que alguém possa dizer para viver sua vida de modo a nunca se perguntar “e se”, sejamos francos, sempre haverá algo que nos faça perguntar. Por mais inimagináveis as hipóteses do que teria acontecido, a verdade é que eu não teria feito nada diferente.